10/06/2013

DRAMA NOS ANDES (parte 2)

Oxigénio, pouco. Vento, muito. Ou seja: apesar do céu limpo e o sol radioso, nos Alpes fazia um frio de rachar. Depressa os passageiros do El Rapido começaram à procura de camisolas nas mochilas, casacos, luvas, cachecóis... e entre agasalhos e dois dedos de conversa, passou-se mais de uma hora até que finalmente apareceu o primeiro autocarro-resgate.

Tinha três lugares vagos - nós éramos quase quarenta pessoas.

Isto vai demorar.

Qual Titanic encalhado no Atlântico, também nos Alpes, durante o resgate dos passageiros do El Rapido, salvaram-se primeiro as mulheres e as crianças. Vinte minutos depois, havia mais quatro vagas num segundo autocarro e seguiram mais alguns. Mas se o salvamento continuasse a este ritmo, quase que podia garantir que íamos passar a noite na montanha.

Felizmente, à terceira foi de vez: o autocarro seguinte vinha quase vazio, e todos os passageiros "em terra" puderam finalmente prosseguir viagem. Redistribuimo-nos nos bancos disponíveis e respirámos fundo, sorrindo uns para os outros - mas quem não ia nada sorridente era o rapaz sentado ao meu lado. Parecia ausente, quando me sentei e disse "bom dia", e reparei que estava nervoso.

Só me apercebi das razões do nervosismo quando os guardas passaram as mochilas pelo raio X, na alfândega - e perguntaram "de quem é esta". Era do rapaz sentado ao meu lado.

Tínhamos demorado meia hora na fila para carimbar os passaportes, à saída da Argentina, mais cinco minutos para dar entrada no Chile. E como já estávamos à espera dos "filmes" com os produtos proibidos no país (lembram-se do "drama" na primeira vez que atravessámos a fronteira do Chile, há um mês atrás, na Patagónia?), desta vez não trazíamos comida nenhuma. Mas o rapaz sentado ao meu lado trazia. Enquanto esperávamos com os outros passageiros, todos em fila, que os cães cheirassem a nossa bagagem de mão, assistimos à cena que se ia desenrolando junto à máquina do raio X. Mandaram o rapaz abrir a mochila - e pouco depois os agentes da alfândega estavam a tirar lá de dentro caixas disto e daquilo, nem consegui perceber o quê, mas eram às dezenas de cada "qualidade".

Eu vinha sentado ao lado de um traficante.

Mandaram-nos subir para o autocarro, e durante quase uma hora não avançámos um centímetro. Eu e o Bunty começámos a imaginar cenários de um autêntico filme de acção, com perseguições, pancadaria, muitos tiros e explosões. Imaginámos banda sonora e discursos patrióticos, juras de vingança eterna, romances tórridos, suspense - e até monstros e efeitos especiais vários.

Mas o rapaz voltou para o autocarro, com um papel amarelo na mão e cara de poucos amigos. Voltámos à estrada e enquanto descíamos em ziguezague a montanha, rodeados de gigantescas máquinas, muito pó e capacetes amarelos, sentimos os ouvidos estalar e fizemos as contas ao atraso. Já devíamos ter chegado a Santiago.

O meu amigo Rodrigo, um chileno com quem viajara há dez anos e que me visitou em Portugal há cinco, esperava-nos na estação. Só voltei a ter rede no final da descida e pude então ligar-lhe, a avisar do atraso.

"Estou aqui à vossa espera, não faz mal. Despachem-se lá que temos uns Casillero del Diablo à espera, em casa!"

3 comentários:

Clara Amorim disse...

Ora bem... Com cenas destas em plenos Andes, quem precisa de episódios de Game of Thrones?!!!
Quanto aos Casillero del Diablo... Não sei o que é, mas o nome promete! ;)

kyta disse...

Casillero del Diablo... Excelente Vinho da casta Cabernet Saivignom...Boa pomada! Olha depois do Traficante lateral, bebe uma por mim! Salute!

agrades disse...

Emocionante e intrigante quanto ao Casillero, mas acima encontrei a explicação...
Boa viagem, boa reportagem!