20/06/2013

ISTO PROMETE!

O autocarro de Santiago para Calama, no Norte do Chile, demora entre 20 a 23 horas. Um "esticanço" que muita gente prefere abreviar com um voo, mas nesta viagem já voámos mais do que queríamos - e fizemos questão de ir por estrada.

Saímos de Santiago ao fim da tarde e aos poucos anoiteceu, a paisagem do lado de fora acompanhada por uma banda sonora de explosões e tiros e gritos de socorro, tudo dobrado em espanhol, não se compreende como passam filmes tão violentos no autocarro, bem que podiam optar por um programa mais familiar. Claro está que o resultado foi uma criancinha que passou o tempo a uivar - peço desculpa, mas não posso chamar de "choro" ao som que emitia - e uma ameaça de dor-de-cabeça que só não se concretizou porque investi logo nuns comprimidos mágicos.

Adormeci, portanto.

Dormi como poucas vezes durmo - de tal forma que, a meio da noite, o autocarro parou algures na escuridão e assim ficou, imóvel no meio de nada, ou assim quero acreditar, já não sei o que foi sonho, o que foi real. Sei que entrou um esquadrão armado, tenho a certeza apesar de estar meio-a-dormir, lembro-me de ver as suas fardas com umas iniciais tipo FBI. Entraram autocarro adentro, fizeram a ronda ao corredor, para-a-frente-e-para-trás, saíram, voltaram a entrar, não sei quantas vezes isto aconteceu... mas aconteceu. O Bunty nem deu por nada, de manhã teimou que foi um sonho - mas eu sei que foi real. Principalmente a parte em que um OVNI aterrou mesmo à frente do autocarro, e os bichos verdes que saíram lá de dentro comeram de uma só vez os senhores do FBI.

Acordei a meio da noite, aterrorizado com um pesadelo que afinal não era um pesadelo. O passageiro atrás de mim emitia sons inexplicáveis, algures entre o grunhido, o vómito e o guinchar de um porco na matança. Claro que não consegui dormir durante muito tempo - o Bunty, por sua vez, ressonava baixinho, viajando em sonhos.

E quando finalmente voltei a adormecer, foi até de manhã. Acordei com o beijo quente do sol no meu rosto e quando abri os olhos fiquei incadeado com o azul do céu. Lá fora: pouco mais que rochas e terra. À nossa volta, deserto. Uma paisagem triste e monótona, mas com qualquer coisa de mágico, que apetece registar.





A quebrar a monotonia surgiam junto à estrada pequenos templos e campas, rodeados de crucifixos, matrículas de carros, ramos de flores. Homenagens modestas aos que morreram ao volante, pressuponho. Também vi a estátua de uma mão, parecida com aquela que vi em Punta del Este, no Uruguai. Passámos por algumas fábricas e muitos camiões, pequenas aldeias no meio do nada - mas acima de tudo, um imenso vazio a caminho de alguma coisa.

Quando chegámos ao Pacífico, juro que senti a maresia a entrar pelo ar condicionado. O postal à nossa volta ganhou logo outra frescura, e apesar da cidade ser feia, tinha "qualquer coisa". Achei curioso a quantidade de sinais de "tsunami - zona segura" na parte alta da cidade, mas tendo em conta a quantidade de sismos que há nesta zona, com certeza que tsunamis não serão assim tão raros...


Depois de uma paragem estratégica para largar passageiros e carregar outros, em que aproveitámos para comprar almoço, prosseguimos viagem para Calama, no interior do país, a caminho de Santiago. A paisagem não mudou muito, o Pacífico ficou para trás - e a chegada a esse primeiro destino foi uma experiência quase surreal. Logo à entrada e no pequeno percurso até ao terminal, vimos lado-a-lado casinos e igrejas, centros comerciais e uma feira popular, um templo chinês e uma tenda de circo, escolas de línguas, agências de viagens e bares.

Comprámos logo um bilhete para o próximo autocarro para San Pedro - não tínhamos grande interesse em explorar Calama - e por isso nem saímos da estação. Sentámo-nos a comer, à conversa, a queimar tempo, até que chegou o nosso transporte e voltámos à estrada.

Foram quase vinte e oito horas de viagem, entre a capital chilena e o destino final. Chegámos a San Pedro de Atacama ao fim da tarde, já o sol descia no horizonte, já as cores do deserto gritavam por fotografias. Fez-me lembrar, de certa forma, a Capadócia. A chegada a Goreme é mais ou menos do mesmo calibre.


Mesmo antes de chegarmos, a senhora sentada ao nosso lado deixou o tricot de parte e meteu conversa. Em cinco minutos contou-nos a sua história de vida, e pelo meio desafiou-nos a vir espreitar a sua guesthouse, ou do ex-marido, ou dos filhos, não percebi muito bem.

Lá fomos com ela a coxear à nossa frente, por ruas de terra batida, entre muros de adobe e muitas árvores, o sol já fora dormir e à medida que escurecia, ficava cada vez mais frio. Acabámos por ficar na guesthouse da senhora, apesar de não ser muito conveniente para nós. O lugar era muito giro, mas ficava longe do centro e não tinha internet. Nós precisamos de internet.

Decidimos ficar uma noite e procurar outro lugar de manhã.

E quando saímos para jantar, apaixonámo-nos imediatamente pela vila. Muito castiça, toda em lama e pedra e palha, com restaurantes muito giros, velas acesas por todo o lado, gente na rua a passear, as estradas em terra batida ou empedrado, parecia que estava num antigo filme mexicano.

Isto promete.

4 comentários:

agrades disse...

Fico a aguardar que a promessa se cumpra.
É um prazer lê-lo!
Como uma empanada, que são tão boas...

Clara Amorim disse...

Promessa mágica, sem dúvida!

Lv disse...

Depois de andar 26 horas de autocarro chegar a um sítio destes, isso sim é mágico. A ver vamos o que se segue ...

kyta disse...

Bem vindos a Atacama....