20/10/2013

UM AUTOCARRO "BUÉDA FOFINHO"


Arranca hoje a primeira edição da viagem à Birmânia com um grupo Nomad. Ou seja: já estou em Yangon... e hoje passo o dia no vai-vém do costume, entre aeroporto e hotel, para receber as dez pessoas com quem vou viajar nos próximos doze dias.

Mas antes de "recomeçar" a volta pelo Myanmar, quero recordar aqui um dos momentos mais insólitos destas primeiras duas semanas. Aconteceu na viagem entre Nyaung Shwe (nas margens do lago Inle) para Bago, já quase a chegar a Yangon.

Mas recuemos um pouco mais, só para nos situarmos melhor. A última vez que conversámos aqui no blog (sem contar com o "post-desvio" sobre o Breaking Bad e o meu desabafo de ontem sobre o cansaço e as dores de cabeça), estávamos em Bagan, perdidos entre templos e budas. De Bagan ainda fomos espreitar o Monte Popa; e depois fomos para o Lago Inle, onde passeámos de barco, de bicicleta e a pé. E porque o tempo começava a escassear, voltámos então para Yangon - mas decidimos parar em Bago e fazer um "desvio rápido", para visitar a Rocha Dourada.

Ok: estamos situados? ;)

O "tal" momento - esse insólito que não me vou esquecer tão depressa, aconteceu no autocarro que nos levou de Nyaung Shwe para Bago. Aliás: o insólito é mesmo o próprio autocarro.

Estávamos sentados à espera do High Class Air Condition Express da Golden Shuttle (assim se chamava a transportadora) quando aparece ao virar da esquina um autocarro que de dourado não tinha nada. Para ser sincero, nem me lembro da cor. E quando escrevo que "de dourado não tinha nada", estou a ser literal. Nada de segundos sentidos e interpretações. O autocarro até tinha bom aspecto, tendo em conta a amostra que tivemos nestes primeiros quinze dias. Mas dourado: não era.

E por dentro: dourado também não vi. Mas vi muito côr-de-rosa.

Como descrever o cenário?

Numa fotografia não cabe tudo. Pormenores, talvez. Mas nunca o cenário geral. E descrever por palavras... a sério, é difícil. Mas vou tentar.

Por fora: um autocarro aparentemente normal. Mas antes de entrar, reparei logo num pormenor curioso: no vidro da porta havia um autocolante do Mister Bean em tamanho real, a espreitar com ar de quem fez, ou de quem está prestes a fazer... uma traquinice. É mesmo essa a expressão.

E que traquinice.

Entrei no autocarro, sorrindo para o Rowan Atkinson como se fossemos velhos amigos... subi três ou quatro degraus... e tive de me conter para não me desatar a rir, assim que me vi no corredor. O cenário era dantesco... se é que se pode aplicar esta expressão a uma decoração inspirada em restaurantes chineses, um palácio da corte do Louis XIV e o quarto de uma adolescente japonesa. Tudo no mesmo espaço.

Os assentos castanhos a imitar couro tinham uma cobertura com motivos florais clássicos e uma espécie de losângulos, azuis e dourados; e no encosto para a cabeça havia uma espécie de renda branca com laçarotes azuis. Havia ainda uma almofada para as costas, presa por um elástico à volta do assento, com o nome da companhia e contactos impressos.

Cada assento tinha ainda uma almofada para o pescoço, daquelas que dão-a-volta - em xadrez azul e branco com folhos amarelo-torrado. E cobertores côr-de-rosa, alguns com Hello Kittys, outros com flores, outros com corações.

Não vi nenhum com a Barbie. Mas não me chocaria, se houvesse.

As cortinas. Quantas cortinas e cortinados, folhos e berloques. Perdi a conta.

As cortinas "principais" tinham paisagens tropicais desenhadas, com palmeiras e rios e aldeias, alguns motivos agrícolas, vulcões ao fundo, pássaros a voar, nuvens e cascatas. Pareciam aqueles quadros dos restaurantes chineses em Portugal. A rematar, por cima da cortina: uns folhos com desenhos de cegonhas e motivos marinhos. E ainda!, um rendilhado com motivos tipo Louis XIV, além de um rebordo final com andorinhas. Já estou tonto com tantas cores e padrões e estilos... ;)

Mas ainda não acabei.

Na "prateleira" onde se arruma a "bagagem de mão", por cima dos assentos: mais dois "níveis" de cortinados e folhos: o de baixo com motivos florais ao estilo pós-impressionista de um Van Gogh; o outro era um rendilhado clássico com berloques pendurados.

A forrar o tecto central e as paredes de todo o autocarro: um almofadado impresso com rosas e outras flores, muito ao estilo dos sofás que a minha avó costumava ter em casa, quando eu era pequeno.

Ainda no tecto: duas fileiras de luzes brancas, acesas apenas quando o autocarro estava parado, em que o vidro parecia "estilhaçado", mas não porque estivesse estragado - era mesmo assim, era o estilo.

No tecto por cima dos bancos, além do aparato do costume com os botões e as rodinhas do ar condicionado, havia luzes amarelas e verdes ao longo de todo o veículo - ficaram acesas toda a noite, mesmo depois de se apagarem todas as outras. E onde não havia luzes ou botões e o ar condicionado, o espaço livre era ocupado com espelhos.

À frente, no centro, havia um LCD enorme com peluches pendurados. Felizmente não foi utilizado durante a viagem - mas isso não quer dizer que tenhamos ido em silêncio. Durante TODA a noite houve música romântica birmanesa a tocar. E não era um sonzinho de fundo. O volume ia quase no máximo - mas só durante a primeira hora, porque depois de uma breve paragem para jantar, um turista português que deve ter a mania que é esperto foi lá pedir para baixarem o volume... so um bocadinho... é que está muito alto... pois: eu. ;)

Resultou. Baixaram o volume, apesar de mesmo assim ainda estar mais alto do que gostaríamos. Menos mau - antes assim que "aos altos berros". Acabei por usar uma técnica já experimentada nesta viagem: papel higiénico. Bem enroladinho, dá uns excelentes tampões para os ouvidos.

Voltando ao aparato dentro do autocarro: todos os lugares tinham, como já é costume no Myanmar, uma garrafa de água e um saquinho para o enjoo. É que as meninas birmanesas, como as indianas e outras asiáticas, são muito frágeis e vomitam com facilidade, quando viajam de autocarro. E esta viagem não foi excepção. Aliás: muito perto dos nossos lugares, uma miúda passou a noite a vomitar, e a tentar vomitar, e quase a vomitar... enfim, um festival de sons e cheiros, só atenuado pelo papel higiénico nos ouvidos e um bocadinho de Tiger Balm no nariz.

Foi, sem dúvida, uma noite "bué especial". Já fiz viagens piores. Bastante piores. Mas nunca tão fofinhas.


2 comentários:

Clara Amorim disse...

Olha que crónica, também ela tão colorida e fofinha!
Quanto ao autocarro, que grande estilaço!!!

Marina disse...

Esta piroseira é fofinha de tão pirosa que é! :)