17/01/2014

SÓ NA ÍNDIA #01

Só na Índia é que o segurança do multibanco entra para dentro da casinha contigo e começa a fazer conversa enquanto levantas dinheiro. E acha isso normal.

Aconteceu-me ontem, em Calcutá. Estava a caminho da estação de autocarros, a desesperar por um ATM porque não tinha conseguido levantar dinheiro no aeroporto, quando vejo o logotipo do HSBC, o banco chinês que é como um oásis, na Ásia - é internacional, há em quase todos os países e funciona bem.

Entrei na "casinha" com as mochilas e pousei a mais pequena num balcão ao lado da caixa, e quando estou a enfiar o cartão na ranhura, eis que a porta atrás de mim se abre e o segurança entra, todo sorridente.

"Namaskar!"

Namaskar para ti também, amigo, mas não vês que estou a levantar dinheiro, não é boa altura para fazer conversa, apeteceu-me dizer. Mas sorri e virei-lhe as costas, tapando o teclado, já com medo que fosse algum esquema, não queria que me visse a digitar o código.

Digitei o código.

Seleccionei o tipo de conta, escolhi "levantamento de outras importâncias" e pedi vinte mil rupias. Só quinze mil, disse-me a máquina. Só posso dar quinze mil. Não há problema, quero quinze mil então.

"Which country, sir?"

E o outro a dar conversa.

"Portugal."

Entretanto a máquina recusou-se a dar-me os quinze mil. Amuou. Não sei porquê, se calhar não gostou de mim, ou do facto de não ter a atenção concentrada apenas nela, ou estava num "daqueles" dias - seja lá porque razão for, o facto é que pela segunda vez, voltava a não conseguir levantar dinheiro. E tendo em conta que neste momento só tenho um cartão activo... comecei a ficar preocupado.

"Cristiano Ronaldo!"

O quê? Cristiano... na Índia? Não é muito comum. Normalmente as pessoas lembram-se do Vasco da Gama, na Índia. Por causa do que aprenderam na escola. Mas o Cristiano, sendo este um país de cricket, não é uma referência assim tão forte. Por outro lado: estamos em Calcutá. O futebol aqui tem outra dimensão.

Sorri, disse-lhe yes e retirei o cartão da máquina, resignado a ter de trocar os dólares que trazia do Cambodja. Sobravam-me depois alguns euros. Contas feitas conseguia viajar duas semanas, provavelmente. Não é dramático, tenho um cartão novo "a caminho" de Bombaim, mas preferia estar mais à vontade.

Entretanto o segurança deve ter reparado no meu insucesso, porque perguntou-me se eu não tinha conseguido levantar, e depois quis saber quanto é que tinha pedido. Não me pareceu que fosse nenhum esquema, o senhor aparentava estar realmente bem intencionado. Resolvi seguir o meu instinto e respondi-lhe a verdade. Quinze mil.

"Your card cannot take fifteen. You must take ten thousand."

Isto até podia ser algum esquema, alguma armadilha. Mas eu estava dentro da casinha do multibanco com o segurança, com as minhas mochilas, e sem dinheiro para ir embora de Calcutá. Precisava de tentar.

Voltei a voltar-lhe costas, portanto.

Tapei o teclado enquanto voltava a digitar o código. Levantamentos. Outras importâncias. Dez mil. E eis que oiço o som de notas a ser contadas.

"It's coming", diz o segurança a sorrir.

Agradeci ao senhor e guardei o dinheiro no bolso, mal "nasceu". Depois veio o cartão, ia guardá-lo mas o segurança voltou ao "ataque":

"You can take more. You can take twenty thousand, thirty thousand, forty thousand. You can take how much you want. But each time, ten thousand only."

Levantei mais dez mil. São ao todo mais de duzentos euros, chegam-me para os primeiros quinze dias, à partida.

Saí para a rua com o dinheiro no bolso e as mochilas à minha volta, agradeci ao segurança com um aperto de mão, ele sorriu e disse:

"You welcome, sir. Have a good trip."

Só na Índia, mesmo.

4 comentários:

Joana Fragoso disse...

só na India mesmo..... beijinhos cheios de saudades

Clara Amorim disse...

Afinal, levantamento com êxito!!! ;)

Clara Amorim disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Lv disse...

não tiveste medo que fosse atrás de ti para te roubar o dinheiro????