26/03/2015

O SÍNDROME DOS 103%

Aproveitando a temática do post anterior, vou abordar muito rapidamente um assunto que deve ser familiar a quase todos os viajantes. Pelo menos para quem já viajou sozinho.

Chamo-lhe "o síndrome dos 103%".

Sofre desta maleita toda a gente que, de certa forma, ocupa sempre mais espaço do que o espaço que ocupa. Parece estranho? Passo a explicar.

Começo por um exemplo - completamente aleatório:

Imaginem-se num autocarro. Sentadinhos, muito bem comportados a ver a vista, a ouvir música nos fones, a pensar naquilo que têm para fazer amanhã - quando alguém se senta ao vosso lado. Com algum impacto, digamos. E atenção: não estou aqui a fazer referência a peso, volume ou massa corporal. Neste caso, até a mais magra modelo da Calvin Klein pode estar na origem da situação que quero exemplificar.

Ok: autocarro.

Senta-se uma pessoa ao vosso lado - e são imediatamente obrigados a arrumarem-se melhor. Apetece começar já a "bufar" mas ainda dão o benefício da dúvida. E no entanto, a pessoa demora sabe-se lá quanto tempo até encontrar uma posição. Ajeita-se, acomoda-se, dobra-a-perna, estica-a-perna, inclina para um lado e para o outro, chega-pra-trás, chega-prá-frente... que nervos! Mas eventualmente lá consegue parar. Por um instante. Porque de repente lembra-se do telefone, que ficou guardado na mochila. Baixa-se para apanhar a mochila, levanta a mochila, tira dois ou três sacos de plástico porque não encontra o telefone em lado nenhum, mexe-e-remexe, enrola-e-desenrola, se calhar até fala com os próprios botões - e finalmente encontra o telefone. Poisa-o não-sei-onde, baixa a mochila, deixa o telefone cair, apanha o telefone, entala-o entra as pernas, ajeita a mochila, rebaixa o banco, estica as pernas, dá-te uma cotovelada, ajeita o cabelo, coça a perna, coça a barriga - e no meio disto tudo ainda encontra espaço e ginástica para comer uma sandes. Até que baixa-se outra vez, volta a sacar a mochila para o colo, remexe tudo, sacos de plástico e sei-lá-o-quê, tira uma escova, poisa a escova, tira um espelho, poisa o espelho, baixa a mochila, cai o telefone, apanha o telefone, cai a escova, apanha a escova, cai metade da sandes, mustarda por todo o lado, uma folha de alface em cima do teu pé. Penteia-se. Não gosta do penteado. Penteia-se outra vez.

Enfim: estão a ver a coisa, não estão?

Este tipo de pessoas sofre de uma síndrome gravíssimo. É que ocupam sempre mais um bocadinho de espaço. No caso do autocarro, é o lugar a que têm direito... e 3% do lugar do vizinho. Os vossos 3%, portanto.

Não é muito, são apenas 3%. Mas são aqueles irritantes 3%, os 3% do toca-e-foge, do roça-roça, do mete-nojo, do estás-aqui-estás-ali, já-me-estou-a-passar. E numa questão de minutos estão vocês a deitar fumo pelas orelhas e nariz, e por uma razão aparentemente estúpida e insignificante já estão dispostos a cometer algum crime.

Eu sei como é.

Acreditem que estou do vosso lado, companheiros. Eu sei o que é viajar só em 97% do espaço. E não é uma coisa boa.

Mas quanto a exemplos concretos, falamos no próximo post. Acabei de chegar a Pyay, depois de quase-quase oito horas num autocarro. E sim, durante algum tempo - metade do percurso - levei com um destes colegas de viagem. Estou a cair para o lado, vou dormir e amanhã conversamos.

1 comentário:

Clara Amorim disse...

Bem, dormir com 100% de espaço!!!